domingo, 10 de setembro de 2017

O Poço do Infinito

Talvez você seja uma daquelas pessoas que se consideram minúsculas perante o universo. Nesse caso, pensamos um pouco diferente, porque essa ideia caiu por terra na minha vida antes mesmo que eu tivesse tempo e maturidade para filosofar sobre a física e a metafísica das coisas. Eu era apenas uma criança que decidiu desobedecer a mãe. Minha mãe e eu morávamos numa casa grande no interior. Era um bairro bem simples, porque ela só tinha dinheiro para uma boa casa num bairro de periferia ou uma casa apertada num bairro do centro. Ela escolheu a primeira opção. Nos fundos da casa havia uma tampa redonda metálica enferrujada com o diâmetro de um bueiro, que protegia alguma coisa, que eu imaginava ser um poço ou algo do tipo. Minha mãe sempre me proibia de sequer chegar perto da tampa, e sempre que eu perguntava o por quê, ela dizia "porque sim". Mesmo sendo apenas uma criança, eu já tinha perspicácia para identificar que aquele "porque sim" não significava que ela não tinha paciência ou tempo pra explicar e sim que ela não sabia o motivo. Simplesmente não sabia. E um dia eu decidi me aproximar da tampa, contrariando as ordens da minha mãe. Eu só queria olhar de perto, mas um sentimento de curiosidade absurdo me fez tocar nela. Uma sensação de iluminação atingiu meu ser naquele momento e não tive opção além de abrir a tampa e ver o que tinha dentro. Era mais pesada do que parecia ser, mas a curiosidade venceu a dor nos meus braços infantis. Depois de alguns minutos, o buraco estava completamente aberto. Lá dentro era escuro e eu não conseguia saber exatamente qual era a profundidade. Não sei quanto tempo fiquei olhando para a escuridão sem fim até que pude discernir dois pontos brilhando em algum lugar. Era um par de olhos. Eles estavam muito distantes, mas mesmo assim eu conseguia ver as pupilas detalhadamente, como se estivessem perto de mim. Aquelas pupilas fizeram com que eu me sentisse gigante e pleno, porque nelas eu pude ver o Universo. Tão minúsculos e distantes eram aqueles olhos, mas eu percebi todo planeta, estrela, buraco negro e asteroide que havia existido, existia ou ainda estava por surgir no universo. Aquilo mudou minha vida e moldou quem eu seria durante muitos anos. Demorei para colocar de volta a tampa no poço do Universo, mas por algum motivo, sabia que minha mãe demoraria para voltar pra casa e nem notaria que eu tinha desobedecido sua ordem. E a sensação de que eu sabia tudo que poderia acontecer permaneceu em mim. Não era como um poder paranormal de vidência, não. Eu não podia prever as perguntas e respostas de provas na escola, mas sabia exatamente quais matérias eu deveria estudar para tirar notas boas. Eu sabia o que precisaria fazer para agradar a menina mais bonita e mais legal da escola. Foi minha primeira namorada, mas não sofri com nenhuma ansiedade das primeiras vezes, afinal eu sabia tudo que ia acontecer e como lidar. O mesmo aconteceu com a segunda, a terceira e a quarta. E tudo foi tranquilo com meus estudos, da escola à faculdade. Tudo fácil no meu primeiro emprego e assim por diante. É importante ressaltar nesse ponto que eu nunca forcei ninguém a nada nem fiz qualquer coisa que fosse prejudicar outra pessoa. Talvez eu tenha cometido uma ou outra infração, mas nada muito grave. Só algumas leis de trânsito quebradas. Eu não queria ser bilionário ou superior. Só não queria ser esquecido. Não tinha problemas com grandes alturas, aranhas, fantasmas ou até o escuro. Meu único medo era ser esquecido. Não precisava que fizessem monumentos pra mim ou que alguma rua fosse batizada com o meu nome depois da minha morte. Só queria que os filhos que eu viesse a ter lembrassem de mim como uma pessoa que fez tudo certo. Queria ser lembrado como alguém importante pelos meus amigos próximos. Quem sabe até algum tipo de fama pudesse me fazer um certo bem. O maior problema é que de tanto ter acesso a conhecimentos futuros, sentia-me seguro demais a ponto de pensar que nada poderia me derrotar.

 Acabei descobrindo que eu não era infalível durante um almoço. Lá estava eu numa padaria daquelas com televisão com som alto, quando uma ótima notícia foi comunicada sem muito alarde no telejornal. A notícia era sobre algum tipo de remédio novo. Quem estivesse prestando atenção, teria achado a notícia ótima, mas a maioria das pessoas ali estava mais preocupada com seus salgados engordurados e seus pratos feitos. Eu devo ter sido o único que ouviu aquilo direito. Só que não tive a reação que adoraria ter tido. Eu sabia que aquela notícia  era péssima. De alguma forma, aquilo seria ruim para todo o mundo. Um nervosismo sem igual caiu sobre mim e derrubei meus talheres no chão. Abaixei-me para pegá-los e quando me levantei, meu coração quase parou com o que vi: uns corpos destroçados, outros carbonizados, tudo destruído e caos por toda parte. Saí correndo da padaria, desesperado. Quando cheguei à calçada, estava tudo bem. Olhei para dentro da padaria e tudo estava normal de novo. A única coisa fora de sua ordem natural era o gerente, gritando comigo por ter saído sem pagar. Voltei e paguei normalmente, alegando um surto de ansiedade por estar sobrecarregado no trabalho. Ele claramente não acreditou, mas não fez diferença porque decidi nunca mais voltar àquele lugar. E realmente, nunca mais teria a oportunidade. Passei dois dias sem ter visões horríveis como aquela, mas no terceiro dia, voltei a ver mortos por todo lado aonde eu ia. Não esperei mais do que uma hora para tomar uma atitude a respeito. Infelizmente, pela primeira vez na minha vida, não soube o que fazer. Por isso decidi voltar ao lugar onde ganhei a habilidade de saber tudo que precisasse fazer: a casa em que morava quando era criança.

Depois de uma hora de viagem, cheguei à cidade onde eu morava e logo estava em minha rua. A casa havia sido abandonada alguns anos depois de nos mudarmos de lá, e estava tão arruinada que parecia ter saído de uma das minhas visões de destruição. Com dois chutes consegui derrubar a porta, que estava com a madeira devorada por cupins e com as dobradiças corroídas por ferrugem. Logo que entrei, senti novamente a mesma curiosidade de quando tinha aberto o poço pela primeira vez. Precisava ir até os fundos da casa. Cada passo que dava fazia um barulho no chão digno de filmes de terror. Não precisei chutar a porta que dava para o quintal porque ela nem existia mais. Corri em direção ao poço, e para minha surpresa, ele estava destampado. Ao me aproximar, forcei a vista para tentar enxergar aqueles olhos estranhos novamente, mas não havia nada além de escuridão. Quando estava quase desistindo, alguma força invisível me puxou para dentro do poço. E como se tivesse atravessado a escuridão, caí num lugar absurdamente fantástico e sem sentido. Tudo era branco e não havia fim. Ao meu redor, fios de linha formavam uma espécie de malha que não era plana, em vez disso, ia para todas as direções. Eu não sabia como eu estava ali entre todos aqueles fios sem que eu estivesse preso no emaranhado que eles formavam. Olhei para baixo para tentar descobrir sobre o quê eu estava pisando. Vi o branco infinito sob mim, mas também notei que os fios que iam para baixo estavam todos gastos, sujos, arrebentados. Olhei para cima esperando ver a escuridão pela qual havia caído e talvez o poço por onde havia entrado, mas só vi o mesmo infinito e percebi que os fios que subiam estavam limpos e novos, mas não estavam entrelaçados como numa costura de tecido. Não sei por quanto tempo contemplei todo aquele ambiente até ser surpreendido por uma voz calma, porém estranha.

— Olá. Fico feliz que tenha vindo até aqui tão rápido. — a voz  parecia uma sobreposição de vozes agudas e graves, mas de forma surpreendentemente harmônica. — Não que a passagem de tempo faça alguma diferença para mim, mas não posso forçar ninguém a fazer coisa alguma porque não posso interferir no livre arbítrio e sua presença aqui permite que eu esclareça algumas coisas e te oriente em relação ao que você pode e deve fazer.

Dei algumas voltas ao redor de mim tentando identificar de onde vinha o som, e quando já estava tonto, vi uma entidade que parecia razoavelmente humana, mas não o suficiente para ser considerada normal. Rapidamente reconheci seus olhos. Neles, eu podia ver o universo. Era essa a entidade que eu tinha visto quando era pequeno. Sem pensar, perguntei:

— Quem ou o quê é você? Deus? Diabo?

— Depende do ponto de vista —, respondeu tranquilamente a entidade — Meu nome é Tecelão, mas você também pode me chamar de Infinito.

— Tecelão? Então me explica o que são todos esses fios ao meu redor e o quê isso tem a ver com as minhas visões. — todo meu desespero já estava passando.

— Nada mais justo. Todos estes fios representam a existência. É o tecido da realidade. Eu teço os fios, mas são vocês que costuram. — Infinito andava ao meu redor como um professor numa aula prática — Acima está o futuro, que são os fios que ainda não foram costurados, e abaixo está o passado, que está gasto e nada pode ser feito a respeito deles. Pelo menos não por seres humanos comuns.

— Então quando eu olhei nos seus olhos quando eu era pequeno, foi como se eu visse tudo isso?

— Não exatamente. Em termos que você é capaz de compreender, você viu o brilho nos meus olhos e pôde ter um vislumbre do tecido da realidade. Você não ganhou poderes ilimitados, mas sua visão de mundo se tornou ligeiramente mais aberta, o suficiente para que pudesse viver a vida confortável que você viveu até hoje.

— E o quê isso tem a ver com as visões? Isso você ainda não explicou.

— Cada coisa a seu tempo. Logo que me viu hoje, perguntou se eu era Deus ou o Diabo. Você por acaso é religioso? — perguntou Infinito, que já sabia a resposta, mas claramente queria estimular um diálogo em que eu não me sentisse intimidado.

— Não, nunca fui. Por quê?

— Bom, mesmo que não seja religioso, deve conhecer a história de Adão e Eva, mais especificamente a parte em que são expulsos do Jardim do Éden por terem comido o fruto proibido. Pode me dizer por que eles foram expulsos?

— Claro, foram expulsos porque tiveram acesso a conhecimentos que não deveriam ter. O conhecimento era proibido. — respondi rapidamente.

— Veja, é aí que a maioria das pessoas se engana, cristãos e não-cristãos. O conhecimento não era proibido, mas ele deveria ser conquistado. Ao comerem o fruto proibido, Adão e Eva tiveram acesso ao saber pelo qual não tinham feito nada para merecer. Não houve esforço, não houve estudo, não houve experiência, tampouco tentativa e erro. Apenas souberam de tudo sem nunca terem aprendido lição alguma.

— Então quer dizer que foi um erro ter pego o atalho que eu peguei? Mas eu não fiz nada que prejudicasse as outras pessoas! Nunca interferi na ordem natural das coisas!

— Não, nunca interferiu, mas estava prestes a interferir. Por mais que você tenha se mantido.... na sua desde sempre, seu poder permitiu que você previsse o caos que está por vir. E seu poder permitiria que você soubesse os meios certos de ser ouvido por toda a humanidade e impedir que a maior guerra de todas aconteça. Se uma única pessoa tendo acesso a conhecimento que nunca deveria ter já é uma perturbação no universo, imagine toda a humanidade sabendo do futuro. Os fios que ainda não foram costurados são lições que estão por vir. Você não pode interferir.

— Tudo bem! Eu prometo que não vou fazer nada a respeito! Eu vou ficar quieto, fingir que não vi, mas por favor, faça parar as visões... — disse eu, desesperado.

— Não posso fazer nada a respeito. Como já disse, não posso interferir no livre arbítrio, mas posso te dizer o que você pode fazer para resolver seu problema: enfrentar seu maior medo. Você só precisa me pedir justamente aquilo que você mais teme, e aí sim poderei manipular o tecido da realidade como você escolher.

A essa altura, já sabia que não era capaz de enganar o Infinito e sabia que não teria como escapar daquele lugar sem que consequências piores do que o caos que eu havia previsto acontecessem. Após pensar um pouco, disse:

— Tudo bem. Eu quero ser esquecido.

E como um turbilhão, vidas passaram diante de meus olhos, vidas de todos as pessoas que conheci. Vidas de todas pessoas que me viram na rua, que olharam pra mim, que respiraram o mesmo ar que eu. Vidas agora das quais eu não fazia mais parte. Ninguém nunca tinha me visto, ninguém nunca tinha me odiado, ninguém nunca tinha me amado. Não posso dizer que morri, porque nunca cheguei a nascer.

Foi assim que eu cheguei ao fim.

Se você está lendo meu relato ou se ouviu alguém contando minha história, é porque de alguma forma consegui acessar a existência aqui do fim. Isso quer dizer que nunca fui esquecido pelo Infinito.

E se você aprendeu uma lição sobre esforço e merecimento ou sobre como não se deve trapacear na vida, fico feliz. Mas saiba que não foi pra isso que disse essas coisas. Queria apenas passar um aviso:

A humanidade corre perigo.

Espero um dia poder voltar totalmente para a realidade e poder fazer alguma coisa a respeito.

Obrigado pela atenção.

domingo, 21 de maio de 2017

Prólogo Revisitado (ou O Som do Silêncio)


Pessoas de diversas culturas usam sapatos. De tempos em tempos é necessário que novos pares de sapatos sejam comprados, por diversos motivos. Os pés de cada pessoa podem crescer – coisa que normalmente acontece com crianças e pré-adolescentes – ou os próprios calçados podem acabar se desgastando. Existe também a possibilidade de uma pessoa simplesmente querer comprar um novo par. Mas não é todo dia que se compra um par de sapatos. Apenas pessoas com muito dinheiro e muito apreço por sapatos comprariam sapatos todos os dias. Para todas as outras, isso seria um desperdício absurdo de dinheiro.

Durante séculos, em muitas partes do mundo, para várias culturas, dinheiro foi a medida para riqueza. Muitas pessoas pensaram em formas de se lidar com o dinheiro como medida de riqueza e ninguém chegou a alguma conclusão realmente produtiva. Isso não impediu a humanidade de brigar muito para decidir quem tinha razão. Alguns grupos acusavam outros de querer nivelar a população por baixo, e se defendiam com o argumento de que gostavam mais de dar liberdade ao povo de ascender socialmente caso se esforçassem o suficiente. O outro grupo acusava o primeiro de viver sob um sistema que só funciona à base da desigualdade e selvageria social. Raramente alguém pensava em simplesmente mudar a forma de se medir a riqueza em vez de pensar em como ela deveria ser redistribuída. Conhecimento é a melhor riqueza que existe: não ocupa espaço e quando uma pessoa quer dividir, não precisa abrir mão do que tem. Todo conhecimento tem seu valor, como, por exemplo, conhecimento sobre como dirigir um veículo, sobre como cozinhar, sobre como escrever uma carta, sobre como cuidar de uma criança e sobre como curar doenças.

Na segunda década do terceiro milênio, cientistas do Qatar fizeram uma descoberta muito boa a respeito de como curar doenças. Ninguém se lembra ao certo o quê era exatamente, mas esses cientistas conseguiram produzir um remédio praticamente milagroso. Provavelmente curava uma única doença, mas devia ser uma doença tão grave – talvez câncer ou AIDS – que o medicamento foi chamado por muito tempo de "A Cura para Tudo". E isso irritou muita gente. É muito mais lucrativo para a indústria farmacêutica vender remédios que apenas aliviam a dor sem nunca removê-la por completo. Não é todo dia que uma mesma pessoa saudável vai ficar doente e se tornar um consumidor eterno dos produtos dessa indústria, mas manter pessoas doentes durante anos é garantia de uma clientela altamente fidelizada.

Sapatos não chegam ao fim de sua vida-útil tão rápido, por isso a indústria dos calçados é menos movimentada do que a indústria farmacêutica. Um único comprimido não pode ser tomado mais de uma vez, o usuário sempre vai precisar de outro dentro de algumas horas. Sapatos não têm nada a ver com medicamentos. Sapatos também não têm nada a ver com bombas e balas. A indústria bélica também é mais movimentada do que a indústria de calçados, afinal, uma bomba só pode ser usada uma vez e o usuário vai precisar comprar uma nova. Pessoas com muito dinheiro, num mundo em que riqueza se mede por dinheiro, têm muito poder sobre as outras.

Foi justamente quando se tornou de conhecimento público a criação da Cura para Tudo que a indústria farmacêutica decidiu utilizar sua influência sobre os governos, que utilizaram sua influência sobre a indústria bélica, e sob algum pretexto absurdamente falso, iniciou-se uma guerra. Essa foi a primeira guerra que atingiu todo o mundo. Já se perdeu na memória dos mais velhos quanto tempo separou o início da guerra do fim do mundo como era conhecido. Quando menos se percebeu, as civilizações tinham chegado ao fim propriamente dito e o caos se estabeleceu de forma que nunca havia antes ocorrido. A criação da cura para tudo foi o ponto de partida da jornada que resultou no fim do mundo. O apocalipse se estabeleceu.

Eron estava com os pés descalços porque seus sapatos já tinham se perdido há muito tempo. Ele caminhava com dificuldade e já não prestava mais atenção ao que estava ao seu redor. Não sabia se estava caminhando por ruínas ou por um deserto, não sabia se era noite ou dia e não sabia se sua visão estava turva por alguma tempestade de areia ou se seu cérebro estava aos poucos desligando suas funções. Talvez o cérebro do rapaz soubesse que era necessário economizar forças para que ele continuasse carregando sua mãe nos braços. Ele não se lembrava mais há quanto tempo caminhava, não se lembrava qual era seu destino, não sabia nem se em algum momento tivera um destino em mente. Além da visão turva e disforme de seu caminho, Eron tinha alguns flashes em mente de ter sido atacado junto a sua mãe numa briga num bar de estrada. Poucas instituições do velho mundo continuavam existindo e funcionando como bares de estrada, mas já não se sabia quanto tempo demoraria até que os proprietários percebessem que o pouco dinheiro que estavam ganhando não teria valor e que aquelas bebidas não seriam eternas.

Uma onda de alívio preencheu o corpo cansado de Eron quando o rapaz distinguiu à distância uma cruz em meio ao vazio que preenchia seu campo de visão, provavelmente de uma igreja. Talvez alguém na igreja pudesse ajudar sua mãe. Reuniu esforços para caminhar cada vez mais rápido em direção à igreja, enquanto forçava os olhos para definir os contornos da igreja. Estava cada vez mais e mais perto do destino, mas cada vez mais cansado... Até que finalmente, a poucos metros das portas da igreja, suas pernas cederam e caiu ajoelhado, com a mãe inerte em seus braços. Ali, retomando os 5 sentidos e dando forma em sua mente aos arredores, viu como o que havia restado de suas roupas estava vermelho e percebeu que a igreja era rodeada por um enorme cemitério. Também percebeu que sua mãe estava tão viva como as pessoas enterradas no lugar. Eron não conseguiu chorar porque estava desidratado demais para produzir lágrimas. Tentou gritar, mas não produziu som algum. Talvez sua mãe já estivesse morta há horas e seus sentidos fatigados não tinham sido capazes de notar. Agora tinha ficado claro para ele que todo o sangue em sua roupa era proveniente dos ferimentos da mãe. Ele já não sentia mais dor no corpo, sentia apenas raiva. Raiva da guerra, raiva da humanidade, raiva do pouco que havia restado do mundo, apenas o pior do que a sociedade tinha a oferecer. Mais uma vez, tentou gritar, sem produzir som algum, o que não fez diferença, já que sua audição, assim como os outros sentidos, estava se desligando de novo.

Quase involuntariamente, Eron segurou com forças o corpo se sua mãe falecida e continuou tentando gritar. Tentou e tentou... Até que sua mãe abriu os olhos novamente.