domingo, 2 de março de 2014

Connor e McFly

O ar não era mais tóxico e a radiação não assolava aquele campo. Não havia necessidade de Sarah estar ali, mas ela pediu e o pai insistiu que Marty a levasse para caçar. A caçada demorou o mesmo tempo que teria demorado se Marty estivesse sozinho, mas ele gostava de pensar que a irmã mais nova tinha atrapalhado em alguma coisa. Ela não parava de falar. Se tivesse ficado quieta, os cervos não teriam se afastado tanto. Dois cervos eram o saldo final da empreitada. Não eram dos mais gordos, mas seriam um ótimo jantar para os moradores de Perfeição, acostumados a comer apenas galinhas criadas na própria colônia e vegetais plantados e colhidos por lá. Sarah ajudou o irmão a colocá-los na traseira da caminhonete e se sentou no banco do passageiro enquanto Marty resmungava qualquer coisa.
A luz do pôr-do-Sol atingia Marty na altura dos olhos enquanto ele dirigia, mas o garoto não se incomodava porque estava conhecia bem o caminho. Além disso, não havia ninguém por perto que pudesse se colocar na frente da caminhonete e ser atropelado. Estava acostumado a voltar pra casa ouvindo apenas o barulho do motor, mas dessa vez ouviu a irmãzinha fazer uma pergunta poucos instantes depois de dar a partida:
Penso no que seria do presente
— Marty, o que é carniceiro?
— Bem... carniceiro é um bicho que come carniça —, disse Marty sem a menor vontade de prosseguir com a conversa.
— E o que é carniça?
— Carniça é um bicho morto — respondeu o garoto, com a certeza de que a irmã iria perguntar mais coisas.
— Então nós somos carniceiros?
— Peraí. Do que você tá falando?
— Ué, matamos esses bichos e vamos comer depois. Igual a gente faz com galinha. A gente mata e depois come.
— Sim, sim... Mas fomos nós mesmos que matamos.
Se eu mudasse o passado
Sarah ficou remoendo a última resposta do irmão por 10 segundos até perceber que continuava não entendendo.

— Olha só, imagina um leão que matou algum bicho —, começou a explicar o irmão mais velho após notar a expressão de dúvida de Sarah — Agora pensa em uma hiena. Lembra da hiena? Igual às que aparecem no Rei Leão. Então, se uma delas resolve comer um bicho que o leão matou, ela é a carniceira.
— Ah, entendi! Então as outras pessoas da colônia são as carniceiras, não é? Porque elas vão comer o que a gente matou.
— Não, não, Sarah.... Não é isso. Primeiro: fui eu quem matou sozinho. Segundo: isso não vale pra gente porque somos pessoas. Carniça geralmente é um bicho morto que foi deixado pra trás. Talvez ele já tenha até apodrecido. E só animais vão atrás disso.
— Então pessoas nunca comem coisa estragada?
— Isso mesmo.
Mas o presente já seria outro.
Marty achou que a irmã ficaria quieta e começou a pensar em Enihs, uma menina um ano mais velha que vivia na colônia. Mas antes que pudesse se perguntar por que aquela menina surgiu em seus pensamentos, ouviu a irmã falar outra vez.
Bacon e cupcake
— Marty, você falou que carniça é coisa de animal, mas eu já vi falarem em um filme que a gente também é animal.
— Sim, Sarah. Somos animais, mas não somos selvagens.
Milkshake de música

Finalmente, Marty conseguiu falar algo que deixou Sarah pensativa e silenciosa até voltarem a Perfeição. Durante o resto do trajeto ficou apenas pensando em como afastaria da cabeça as ideias de que seu próprio jantar era um animal como ele mesmo.