O ar não era mais tóxico e a radiação não assolava aquele campo. Não havia necessidade de Sarah estar ali, mas ela pediu e o pai insistiu que Marty a levasse para caçar. A caçada demorou o mesmo tempo que teria demorado se Marty estivesse sozinho, mas ele gostava de pensar que a irmã mais nova tinha atrapalhado em alguma coisa. Ela não parava de falar. Se tivesse ficado quieta, os cervos não teriam se afastado tanto. Dois cervos eram o saldo final da empreitada. Não eram dos mais gordos, mas seriam um ótimo jantar para os moradores de Perfeição, acostumados a comer apenas galinhas criadas na própria colônia e vegetais plantados e colhidos por lá. Sarah ajudou o irmão a colocá-los na traseira da caminhonete e se sentou no banco do passageiro enquanto Marty resmungava qualquer coisa.
A luz do pôr-do-Sol atingia Marty na altura dos olhos enquanto ele dirigia, mas o garoto não se incomodava porque estava conhecia bem o caminho. Além disso, não havia ninguém por perto que pudesse se colocar na frente da caminhonete e ser atropelado. Estava acostumado a voltar pra casa ouvindo apenas o barulho do motor, mas dessa vez ouviu a irmãzinha fazer uma pergunta poucos instantes depois de dar a partida:
Penso no que seria do presente
— Marty, o que é carniceiro?
— Bem... carniceiro é um bicho que come carniça —, disse Marty sem a menor vontade de prosseguir com a conversa.
— E o que é carniça?
— Carniça é um bicho morto — respondeu o garoto, com a certeza de que a irmã iria perguntar mais coisas.
— Então nós somos carniceiros?
— Peraí. Do que você tá falando?
— Ué, matamos esses bichos e vamos comer depois. Igual a gente faz com galinha. A gente mata e depois come.
— Sim, sim... Mas fomos nós mesmos que matamos.
Se eu mudasse o passado
Sarah ficou remoendo a última resposta do irmão por 10 segundos até perceber que continuava não entendendo.
— Olha só, imagina um leão que matou algum bicho —, começou a explicar o irmão mais velho após notar a expressão de dúvida de Sarah — Agora pensa em uma hiena. Lembra da hiena? Igual às que aparecem no Rei Leão. Então, se uma delas resolve comer um bicho que o leão matou, ela é a carniceira.
— Ah, entendi! Então as outras pessoas da colônia são as carniceiras, não é? Porque elas vão comer o que a gente matou.
— Não, não, Sarah.... Não é isso. Primeiro: fui eu quem matou sozinho. Segundo: isso não vale pra gente porque somos pessoas. Carniça geralmente é um bicho morto que foi deixado pra trás. Talvez ele já tenha até apodrecido. E só animais vão atrás disso.
— Então pessoas nunca comem coisa estragada?
— Isso mesmo.
Mas o presente já seria outro.
Marty achou que a irmã ficaria quieta e começou a pensar em Enihs, uma menina um ano mais velha que vivia na colônia. Mas antes que pudesse se perguntar por que aquela menina surgiu em seus pensamentos, ouviu a irmã falar outra vez.
Bacon e cupcake
— Marty, você falou que carniça é coisa de animal, mas eu já vi falarem em um filme que a gente também é animal.
— Sim, Sarah. Somos animais, mas não somos selvagens.
Milkshake de música
Finalmente, Marty conseguiu falar algo que deixou Sarah pensativa e silenciosa até voltarem a Perfeição. Durante o resto do trajeto ficou apenas pensando em como afastaria da cabeça as ideias de que seu próprio jantar era um animal como ele mesmo.
Muito bom! Diálogo muito bem estruturado.
ResponderExcluirObrigado! Que bom que gostou :)
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